Carreira

É possível mudar de carreira?

Sim, é possível. Mais adiante eu justifico a minha resposta — comecemos do começo, pois. Escolher a profissão talvez seja uma das fases mais difíceis da vida de muitas pessoas. Talvez tenha sido da sua. A minha não foi nada fácil. É um momento de pura fragilidade, muito desconhecimento sobre mercado e vida, pressões múltiplas de família e amigos, uma desenfreada confusão mental. Os critérios utilizados, no fim das contas, são escusos: vestibular menos concorrido, faculdade mais próxima, oportunidade de entrar num negócio da família, a própria ausência de oportunidades, por aí vai. 

O tempo, no entanto, não mente. Você pode se formar numa determinada profissão, começar a desenvolver sua carreira nela, mas, todos os dias, ao se olhar no espelho, você saber que algo não está certo caso não seja aquela a sua natureza. Há quem descubra isso ainda durante a faculdade. Outros levarão os primeiros anos da profissão na prática para chegar a esta conclusão. Um grande grupo só terá a ficha caída já na segunda metade da carreira, enquanto uma porção relevante vai trabalhar até os últimos dias insatisfeito com algo que não sabe explicar. Em geral serão profissionais medianos, sem paixão, que receberão o fim da sexta-feira sob o verdadeiro significado de happy hour e enfrentarão um mini desespero em todas as noites de domingo, quando estiverem se preparando para iniciar mais uma semana.

Essa não é uma opinião minha, tampouco é recente o conceito. A ideia da felicidade ligada à natureza humana vem do século IV a.C., através de um sujeito chamado Aristóteles, que dizia ser feliz aquele capaz de desabrochar a própria natureza em busca de excelência. Explico: o filósofo grego sugere que seja feito um diagnóstico prévio e preciso sobre a própria natureza — damos a isso o nome de autoconhecimento nos dias atuais — e, deste ponto em diante, que seja exercida uma rígida disciplina para que essa natureza cresça no sentido da perfeição, fazendo com que o indivíduo supere a si mesmo diariamente. Bonito isso, né?

Na prática isso quer dizer que se Neymar nasce sem a oportunidade de jogar futebol será eternamente infeliz, pois sua natureza era de chutar bolas. Já que teve a oportunidade de fazer o que o universo deu a ele como talento, exerce seu papel buscando a perfeição, com disciplina rígida, treinos diários, cuidados com o corpo e comportamento ético para ser o melhor de todos os tempos. Atinge assim a excelência e a plena felicidade, levando aos céus a teoria aristotélica da natureza humana! Quase isso, né? O que será que pensaria Aristóteles acerca do comportamento de Neymar? Bom, não vem ao caso. O que interessa é que Neymar não virou advogado ou carpinteiro, pois assim estaria muito distante de seus predicados naturais. 

Trazendo ainda mais pra perto da nossa realidade, o que estamos dizendo é o seguinte: se João queria ter cursado Geografia, mas seu pai o obrigou a fazer Direito, João será um advogado infeliz, apesar do possível sucesso e retorno financeiro; se Maria queria ser fotógrafa e acabou fazendo Contabilidade por segurança, é bem provável que Maria seja uma contadora medíocre, e que passe os dias olhando belas fotografias na internet, ao invés de entregar a DRE de seus clientes com o máximo de precisão possível. E se, após alguns anos de carreira, João e Maria decidem, finalmente, buscar suas vocações e desabrochar suas naturezas, o que devem fazer?!

Aqui eu começo a justificar a minha resposta da primeira linha: é possível mudar de carreira sim! Não é fácil, talvez não seja rápido ou romântico, mas é possível. Digo isso com a propriedade de já ter feito essa mudança, e de forma brusca, ainda. Por isso dou um sorriso de canto ao ler matérias sobre este tema na internet — todas parecem bem distantes daquilo que vivi. Pregam longos planejamentos, metas bem definidas, múltiplas capacitações prévias e bla bla bla. Sinceramente? Não acredito que funcione assim.

Mudar de carreira é um ato de bravura, uma disrupção pessoal e social que enfrenta as mais diversas barreiras: ausência de networking na nova área, desconhecimento do mercado, cultura profissional diferente, são as mais óbvias. As que ninguém fala são um pouco mais cruéis: resistência da família, desencorajamento por parte dos amigos, insegurança do parceiro ou parceira. “Nossa, você vai jogar sua formação fora para se aventurar numa profissão nova?”. “E se você praticasse essa atividade como hobby e mantivesse o seu trabalho?”. “Não é tudo que escolhemos nessa vida, valorize as oportunidades que você teve!”. São poucos, pouquíssimos, os que vão te apoiar nessa jornada.

A despeito do que dizem os coaches de plantão, para mim há um ponto central nessa jornada, que vai determinar o sucesso ou o fracasso da transição: a sua decisão. É ela que vai te dar o combustível necessário para quebrar todas as barreiras que surgirem pelo caminho — e acredite: serão muitas. Se a decisão for tomada de verdade, a mudança ocorrerá. Todo o resto é acessório. E sim, eles são importantes, vamos falar deles na sequência, mas o parágrafo todo dedicado ao poder da decisão é proposital.

Eu comecei a carreira como engenheiro civil e hoje atuo como empreendedor e gestor no ramo de educação. A transição completa durou 4 anos e meio. Tive uma recaída grande nesse período. Mas a natureza falou mais alto e aqui estou eu, falando com você hoje. Não fosse a insistência, provavelmente eu estaria negociando uma compra de aço ou recebendo uns caminhões de terra na obra neste momento. Nenhum demérito à profissão que me criou no mercado, apenas não era para mim. 

Já havia feito pesquisas múltiplas sobre outros mercados, mapas mentais para organizar as ideias, análises de mercado, buscas por oportunidades no LinkedIn e tudo mais. Resultado? Zero. A decisão não estava firme. Foi apenas depois de sofrer muito com episódios na engenharia que eu decidi de verdade: “vou em busca do que eu quero, custe o que custar”. A solução veio através de um pacote integrado de ações que visavam unir capacitação e networking de um lado, participando de cursos e workshops de áreas de entrada — como inovação, gestão e tecnologia —, e prática, oferecendo serviços a valores baixos, ou até gratuitos, para criar portfólio e atender clientes reais. 

Período duro, dinheiro curto, conforto zero. O medo de passar vergonha numa mesa de reunião era constante. Achar o equilíbrio entre estar presente em ocasiões diversas para fazer contatos e levar a sério a máxima do “ser visto para ser lembrado”, e não expor o caixa para oportunidades futuras era uma arte. A importância daqueles poucos que apoiaram o movimento foi fundamental. Meses após a decisão, finalmente surgiu algo concreto e eu atendi aos meus desejos com uma posição que beirou a perfeição, na teoria. Na prática, mais de um ano se passou e eu ainda sinto na pele dificuldades de um forasteiro nas humanas. Aqui ninguém se importa com a minha capacidade de analisar estruturas ou traçados de rodovias, é um conhecimento inútil. Por outro lado, não ter lido os clássicos da educação, ou até mesmo ter feito uma formação adicional na área faz uma falta danada. É um desafio diário de atualização, empatia e humildade, levando em conta que todos ao meu redor sabem mais do assunto do que eu. Isso me leva a uma disciplina rígida, que faz com que eu me supere a cada dia. Bom, parece um pouco com o que Aristóteles disse lá em cima, né? 

É verdade.  Escrever esse texto em horário comercial é uma das tantas formas que eu encontrei de desabrochar a minha natureza e encontrar a felicidade no trabalho — e não há nada mais valioso que isso na vida profissional. 

Sim, é possível mudar de carreira, a fórmula mágica se chama decisão

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Um abraço,

Victor

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